Brasil adota ‘capitalismo chinês’ com intensificação da competição –

–
Em 28 de maio, um navio descarregou 7.000 carros elétricos da marca BYD no porto de Itajaí, em Santa Catarina. Este evento foi um marco para a BYD, que se destaca como a líder mundial e brasileira na venda de veículos eletrificados. Contudo, enquanto a empresa celebrava essa entrega recorde, também se preparava para a chegada de novos concorrentes.
Atualmente, pelo menos oito montadoras chinesas já estão oficialmente atuando no Brasil, e três outras — entre elas Leapmotor e MG Wuling — devem se instalar no país até o final deste ano. O setor de veículos elétricos é apenas uma parte de uma competição maior, que envolve marcas chinesas em diversos segmentos, como smartphones, eletrônicos, equipamentos médicos, e-commerce e serviços de entrega.
Essas empresas chinesas não só concorrem com marcas locais e multinacionais, mas também entre si, reproduzindo a atmosfera altamente competitiva que enfrentam em seu país de origem. Segundo especialistas, a economia chinesa é uma das mais competitivas do mundo, o que cria desafios para empresas estrangeiras e para a lucratividade das próprias marcas chinesas.
Essa rivalidade constante acaba tornando-se uma força motriz para a inovação, exigindo que as empresas se reinventem rapidamente. No setor automobilístico da China, por exemplo, existem centenas de marcas competindo em um mercado que já não consegue absorver todo o volume de produção, resultando em estoques superiores a três milhões de veículos.
A saturação do mercado interno leva as empresas a buscarem expansão internacional. Com as restrições impostas nos Estados Unidos e na Europa, o Brasil se apresenta como um campo de batalha essencial. Desde 2019, as cinco principais marcas que competem com a Apple na China começaram a entrar no Brasil, sendo a Xiaomi a pioneira, seguida por Oppo, Honor, Vivo (agora sob o nome Jovi) e, mais recentemente, a Huawei, que lançou um smartphone de R$ 33.000.
Essa mesma dinâmica de competição é visível em setores como o de climatização. As empresas chinesas Gree e Midea disputam o mercado de ar-condicionado no Brasil, que tem se mostrado bastante promissor. Segundo Nicolaus Cheng, vice-presidente comercial da Gree, o Brasil representa cerca de 10% das vendas globais da companhia. Para 2026, a empresa planeja investir cerca de R$ 50 milhões em sua fábrica em Manaus, com o objetivo de começar a produzir localmente componentes que atualmente vêm da China.
Entre janeiro e maio de 2025, o Brasil registrou um aumento de 70% nas importações de peças para ar-condicionado em comparação com o mesmo período do ano anterior. De acordo com o Ministério da Indústria e Comércio, as empresas que atuam no Brasil gastaram US$ 370 milhões (aproximadamente R$ 2 bilhões) na compra desses componentes.
Além disso, os brasileiros estão adquirindo cada vez mais produtos da China. Nos primeiros cinco meses deste ano, as importações do país totalizaram US$ 29,5 bilhões (cerca de R$ 163 bilhões), um aumento de 26% em relação ao mesmo período do ano anterior. Essa tendência tem estimulado novos investimentos, principalmente no setor de e-commerce, onde gigantes chinesas como Shopee, Shein e Alibaba já estão consolidadas. Novas plataformas como Temu, Kwai Shop e TikTok Shop também estão surgindo.
Um ano após a implementação da chamada “taxa da blusinha” — que incide sobre produtos importados de até US$ 50 — as empresas asiáticas não diminuíram seus esforços. Pelo contrário, elas se adaptaram e cresceram. De acordo com Ícaro Medeiros, responsável por mercados chineses na DHL Supply Chain, essas empresas têm investido fortemente em logística e em parcerias com vendedores locais. A Shein, por exemplo, expandiu suas operações como marketplace, colaborando com cerca de 30.000 fornecedores no Brasil e estabelecendo um centro de distribuição em Guarulhos que conta com mais de mil robôs.
Medeiros prevê uma competição acirrada no setor de varejo online brasileiro nos próximos anos, com plataformas asiáticas ganhando rapidamente participação de mercado. Atualmente, o líder do setor é o Mercado Livre, da Argentina, com cerca de 35% de participação, seguido pela Shopee e Amazon. A projeção é que, até 2028 ou 2030, as plataformas chinesas dominem metade do mercado.
Um outro setor que deve sentir o impacto da competição chinesa em breve é o de serviços de entrega. Empresas como Didi e Meituan estão se preparando para desafiar gigantes como iFood e Rappi. Em junho, a marca brasileira da Didi, chamada 99, relançou seu serviço de entrega. Em maio, Meituan, que é a líder de entrega na Ásia, anunciou sua chegada ao Brasil durante uma viagem do presidente Lula a Pequim. O lançamento da empresa sob o nome Keeta está previsto para ocorrer ainda este ano.
Atualmente, a Meituan conta com mais de 770 milhões de usuários ativos na China, 14,5 milhões de restaurantes parceiros e realiza em média 98 milhões de entregas diárias por meio de pedidos online.