Espanha e a seleção feminina: o impacto do caso Rubiales –

Em três anos, a seleção feminina de futebol da Espanha passou por uma transformação significativa. Antes, discutir o apoio popular à equipe pareciam questões irrelevantes em um país com forte tradição esportiva. No entanto, tudo mudou após a conquista do título mundial em 2023, que agitou as bases da sociedade espanhola. O momento decisivo aconteceu em 20 de agosto de 2023, quando Luis Rubiales, então presidente da RFEF, deu um beijo não consensual na jogadora Jenni Hermoso durante a cerimônia de entrega de medalhas. Esse incidente levou Rubiales a ser condenado por agressão sexual, e as jogadoras passaram a ser vistas como símbolos na luta pelos direitos das mulheres.
O impacto dessa situação gerou tanto reações positivas quanto negativas. Atualmente, as jogadoras se encontram em Suíça, onde estão competindo na Eurocopa. Sob o comando da treinadora Montse Tomé, a equipe teve uma excelente performance até agora, se classificando para as quartas de final com vitórias em todos os jogos disputados. Neste contexto, surge uma dúvida: será que a Espanha realmente apoia a seleção?
Paco Grande, comentarista de TVE e especialista em competições femininas, comentou que o gesto de Rubiales o deixou bastante perplexo, afetando a percepção pública sobre as jogadoras. Ele observou que o incidente polarizou a sociedade, criando um ambiente de maior sensibilidade em relação ao futebol feminino, mas também gerando um movimento de rejeição por parte de alguns grupos.
A Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) acredita que a vitória na Eurocopa poderia ajudar a superar os problemas recentes. A audiência dos jogos da seleção feminina mostra um aumento significativo, como evidenciado pela média de 1,7 milhões de espectadores no primeiro jogo na Suíça, em comparação com os 322 mil do jogo de estreia na Nova Zelândia.
Belén Casas-Mas, especialista em comunicação social, explicou que até o ocorrido entre Rubiales e Hermoso, a seleção feminina era vista de maneira consensual, com apoio entre o público. Contudo, a situação radicalizou algumas opiniões, dividindo até mesmo o grupo das mulheres em relação ao apoio à seleção.
Ela mencionou precedentes que também geraram divisões, como o referendo sobre a independência da Catalunha em 2017, e os jogadores de origem magrebí na atual equipe. Verônica Boquete, uma das jogadoras mais reconhecidas na história do futebol espanhol, destacou que muitas pessoas se uniram à seleção por seu impacto social, enquanto outras a rejeitaram, resistindo às mudanças que ela representa. Boquete acredita que o sucesso da equipe pode levar mudanças nas opiniões mais críticas.
Apesar do apoio crescente, encontrar pessoas dispostas a expressar publicamente o descontentamento com a seleção tem sido desafiador. Jorge González Fraile, um jovem de 32 anos, admite que se distanciou da discussão sobre as campeãs. Ele acredita que a controvérsia se transformou em uma bola de neve, misturando reivindicações legítimas com hostilidade, o que desviou o foco do esporte.
Alba Adá Lameiras, especialista em comunicação e gênero, conduziu um estudo que mostrou que, pela primeira vez, as interações nas redes sociais sobre a seleção feminina têm mais comentários positivos do que negativos. Contudo, muitos dos comentários negativos expressam um forte desprezo.
Martí Perarnau, autor de livros sobre futebol, ressalta que a seleção feminina possui um poder transformador considerável, mas que isso divide a opinião pública. Ele afirmou que apoiar a seleção envolve uma identificação com a equipe, e que isso não acontece para todos os espanhóis.
Francisco José Caro, também comentarista na TVE, acredita que a maioria dos espanhóis apoia a seleção e torce por sua vitória, mas reconhece que existe um grupo que prioriza suas crenças pessoais acima do apoio ao futebol. Ele espera que esse grupo não seja numeroso, mas admite que ele existe.