Ana Maria Gonçalves é a primeira mulher negra na ABL –

A escritora Ana Maria Gonçalves, primeira mulher negra eleita à Academia Brasileira de Letras, na exposição inspirada em seu livro ‘Um Defeito de Cor’, no Sesc Pinheiro –
Eduardo Knapp – 23.abr.2024 /
Folhapress
A Academia Brasileira de Letras (ABL) fez história ao eleger, pela primeira vez em seus 128 anos, uma mulher negra para ocupar uma de suas 40 cadeiras. Ana Maria Gonçalves, autora do aclamado romance “Um Defeito de Cor”, foi escolhida para a vaga que antes pertencia ao linguista Evanildo Bechara. A eleição ocorreu na tarde de quinta-feira.
Ana Maria Gonçalves, uma escritora mineira de 54 anos, foi a primeira a se candidatar à cadeira número 33 após a homenagem a Bechara, realizada em 27 de maio. Sua candidatura foi bem aceita dentro da ABL, e ela já se destacava como forte candidata desde o início. Na votação, Gonçalves obteve 30 votos, enquanto sua concorrente, a escritora indígena Eliane Potiguara, recebeu apenas um voto. Ao todo, houve 12 candidatos, incluindo outros nomes como Ruy Lobo, Wander Lourenço de Oliveira e Célia Prado.
“Um Defeito de Cor”, lançado em 2006, é considerado um marco na literatura negra brasileira. A obra aborda a história do Brasil sob a perspectiva da diáspora africana e os impactos da escravidão na formação da identidade nacional. O romance acompanha a vida da narradora Kehinde, que enfrenta sequestro e escravização, e busca seu filho perdido. O livro já vendeu 180 mil cópias e influenciou exposições de arte e até enredos de escolas de samba.
A crítica literária Fernanda Miranda, professora da Universidade Federal da Bahia, destaca a importância da obra de Gonçalves na valorização da literatura produzida por autoras negras no Brasil. Ela explica que “Um Defeito de Cor” amplia a compreensão sobre a África como um espaço multifacetado e complexo, refletindo também a rica diversidade cultural do Brasil.
A eleição de Ana Maria Gonçalves representa um avanço na representatividade dentro da ABL, que por muito tempo foi vista como uma instituição conservadora, predominantemente masculina e branca. Nos últimos anos, a Academia tem se esforçado para diversificar suas escolhas, como a recente entrada de Ailton Krenak, que se tornou o primeiro indígena a ingressar na instituição. Além de Gonçalves, outras mulheres, como Míriam Leitão e Lilia Schwarcz, também se juntaram à ABL, embora ainda sejam poucas em comparação ao número total de acadêmicos.
A trajetória de Conceição Evaristo, outra importante escritora negra, ilustra as dificuldades de acesso a espaços tradicionais. Em 2018, Evaristo teve sua candidatura preterida, obtendo apenas um voto. Sua candidatura foi amplamente apoiada pelo público, mas não se adequava aos protocolos da ABL, que exige que os candidatos sigam certos rituais de aproximação à Academia.
Com a recente eleição de Ana Maria Gonçalves, surgem novas oportunidades para refletir sobre a inclusão de vozes diversas na literatura brasileira. Intelectuais ressaltam a importância de continuar a discussão sobre a representatividade de mulheres, negras e indígenas em posições de poder, considerando a histórica exclusão desses grupos da Academia e do cânone literário. A expectativa é que essa mudança vá além de um simples gesto simbólico e que a ABL realmente se abra para novas possibilidades literárias e culturais.