Andrea Beltrão Reflete Sobre Expectativas E Realidade Da Vida –

No final de 1970, a atriz Andrea Beltrão, que tinha apenas 7 anos, viveu uma experiência marcante em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Na época, ela observou uma nuvem de gafanhotos ao redor do edifício onde morava com sua avó, Cleonice. O ambiente estava carregado de tensões: a menina foi alertada para não comentar muito sobre sua família, alguns livros desapareceram da estante e, em um certo dia, o sociólogo Luiz Werneck Vianna, seu tio, foi levado. Andréa recorda esses momentos com tristeza, destacando a saudade que sentiu do irmão de sua mãe, Marilena Vianna, que, após ser libertado, buscou refúgio no Chile.
Um ano depois, Werneck Vianna voltou ao Brasil e, mesmo após a anistia política, evitava falar sobre o que havia enfrentado durante a repressão. Ele incentivava a sobrinha a olhar para o futuro: “Vamos em frente, garota, isso passou”. Para Andrea, essa frase carregava um desejo de seguir em frente, desprovida de ressentimentos, enquanto os perigos ainda pairavam em sua memória. Ela, por sua vez, tomava medidas para se proteger, como encapar livros e esconder seu sobrenome Vianna para evitar associações perigosas.
Em uma reflexão sobre sua história pessoal e legado familiar, Andrea destaca o significado do termo “gafanhoto”, utilizado pela advogada Mércia Albuquerque em diários que escreveu entre 1973 e 1974, durante a transição do regime militar no Brasil. Revoltada com as injustiças vistas nas ruas de Recife em 1964, Mércia decidiu usar sua formação em Direito para ajudar presos políticos e famílias de desaparecidos, defendendo quase 500 pessoas ao longo de sua carreira.
O legado de Mércia se espalha pelo teatro. Andrea Beltrão, que atua na peça “Lady Tempestade”, encarna tanto a advogada quanto uma mulher contemporânea que se vê diante dos cadernos de Mércia, ponderando sobre o que fazer com esses relatos. O espetáculo, que já percorreu várias cidades, volta agora a São Paulo, após grande sucesso.
A atriz, com mais de 40 anos de carreira, tem conquistado prestígio em diversas plataformas, incluindo teatro, cinema e televisão. Sua personagem, chamada A., hesita em dar um destino aos diários, refletindo o dilema que a própria Andrea experimenta em relação ao passado e à memória.
Em 2023, a diretora Yara de Novaes, que também atua, revelou a Andrea o material de Mércia durante as filmagens de um longa-metragem sobre um líder estudantil do regime militar. A diretora elogiou a capacidade da atriz de questionar e gerar sabedoria através da dúvida, destacando uma combinação entre trabalho individual e coletivo.
Entre outros trabalhos, Andrea foi envolvida em uma poderosa adaptação de “Antígona”, que também lida com a opressão. Ela menciona que gostaria de explorar temas mais alegres, mas sentiu que a mensagem de Mércia não poderia ser ignorada. Para Andrea, o silêncio é cúmplice de retrocessos.
Em relação à perda de seu irmão, Artur, que faleceu repentinamente em janeiro de 1994, Andrea relembra o impacto que essa tragédia teve em sua vida. A morte de Artur, de apenas 19 anos, a fez perceber a fragilidade da vida e que tudo pode mudar a qualquer momento. Depois de perder a avó meses antes, a dor foi intensa e marcante.
Andrea procurou reconstruir sua vida após essa série de perdas. No meio da turbulência, ela encontrou um novo amor e uma nova paixão. Casou-se com o diretor Maurício Farias e teve três filhos: Chico, Rosa e José. Sua vida pessoal é repleta de orgulho e realizações, mas também de desafios. Ela menciona que nunca se tornou uma mãe superprotetora, consciente de que as ansiedades eram dela, e não dos filhos.
Atualmente, os filhos de Andrea têm suas próprias vidas e carreiras. Chico, além de compositor, participa da trilha sonora da peça “Lady Tempestade”. Enquanto isso, Andrea e Maurício continuam a trabalhar juntos, mantendo um ambiente leve e criativo em seus projetos.
Andrea também falou sobre suas lutas pessoais, incluindo a dependência química que enfrentou nos anos 1990. Participando de reuniões de Narcóticos Anônimos, ela encontrou apoio e estrutura para lidar com suas dificuldades. A artista revela que aprendeu muito com sua vivência e enfatiza a importância da solidariedade e do diálogo na educação dos filhos.
Hoje, aos 62 anos, Andrea mantém uma rotina que inclui natação, terapia e disciplina. Ela vê a natação como uma atividade essencial que sempre trouxe prazer. Andrea reflete que a vida deve ser tratada com técnica e leveza, e planeja continuar sua carreira plena, independentemente dos desafios que a vida profissional traga. Recentemente, decidiu não renovar seu contrato fixo com a Globo, expressando confiança de que, se necessário, trabalharia em outro lugar com alegria.
Andrea acredita que cada experiência a moldou. Ela ressalta que não trocaria nada em sua trajetória, pois cada passo valeu a pena. O autoconhecimento adquirido ao longo dos anos a ajuda a valorizar sua liberdade, tanto como mulher quanto como artista.