Omolú: Orixá de devoção e tradição

Eu me lembro, com uma saudade danada, da casa da minha bisa-avó. O mês de agosto era um tempo especial. Nessa época, a casa vivia um silêncio profundo, que gerava uma mistura de respeito e um certo receio em todos nós. Era como se a atmosfera mudasse, e a presença da bisa trazia uma força quase mágica aos nossos corações. Ela não estava apenas conosco; ela estava conectada a algo maior. A entrada da casa, sempre enfeitada com pipoca recém estourada, era uma cena que ecoa na minha memória.
Durante a terceira semana de agosto, a cozinha se enchia de aromas e cores. Era a noite de oferendas, um momento em que pedíamos proteção e saúde aos orixás. Os altarzinhos ficavam arrumados nos fundos da casa e nos corredores laterais, repletos de flores e plantas. Essa era a hora em que sentíamos a presença encantadora do orixá em nossas vidas.
Quem é esse orixá?
No Candomblé, é comum que um orixá tenha vários nomes. Por isso, Omolú também pode ser chamado de Obaluaiê, Oluaiye e por aí vai. Cada nome pode representar uma faceta do mesmo espírito ou até mesmo diferentes divindades, mas todos compartilham uma essência. Omolú é conhecido como o senhor da cura, e costuma tratar das doenças que afetam a pele e outras pragas que nos cercam. Ele está bem ligado a Ikú, orixá da morte, mas não é o mesmo. Esse orixá nos traz ensinamentos sobre a vida, dando uma nova luz sobre o que é a morte em si.
Em agosto, celebramos o Olubajé, uma festa dedicada a Omolú e à sua família, que têm ligação com a terra e com os mistérios da vida. Omolú é cultuado por diversos motivos, mas principalmente para buscar saúde e também para superar momentos difíceis na vida.
Uma das histórias mais tocantes sobre Omolú fala de como ele era ferido pelos males da pele, sofrendo com úlceras e lepras. Quando finalmente foi curado, suas feridas se transformaram em flores de pipoca. Antes envergonhado, agora ele mostrava seu rosto brilhante como o sol. Por isso, ele é chamado de “rei do sol”.
O nome Omolú vem da expressão iorubá “omó ilú,” que significa “filho da noite.” A mãe dele, Ilú, é conhecida aqui como Nanã, a deusa que representa a passagem entre a vida e a morte. Nanã é uma figura importante no panteão, simbolizando a conexão com o que acontece após a morte.
As comidas de Omolú
Entre as comidas sagradas de Omolú, destaca-se o deburú: pipoca estourada com lascas de coco. Essa comida simboliza a saúde e a revitalização. O orixá também gosta de feijão preto, farofa de banana da terra com azeite de dendê, porco e aluá, uma bebida que ajuda a entrar em transe durante rituais.
Arquétipo
Reza a tradição que os filhos de Omolú são pessoas mais quietas e introspectivas, refletindo a personalidade dele. Ele é reverenciado com a palavra “atotô”, que significa “silêncio”, para mostrar respeito a sua presença. Aqueles que têm a influência de Omolú costumam ser gentis e atenciosos, mesmo sendo mais calados. Muitas vezes, eles estão conectados a questões de saúde, ou podem ter nascido com problemas que requerem atenção especial. Assim como os iniciados em cultos de outros orixás, eles precisam preservar tradições e honrar seus ancestrais.
Olubajé: o banquete do rei!
A festa do Olubajé é um grande momento de congregação, unindo os vivos aos ancestrais por meio de canções e rituais. Durante essa celebração, lembramos que todos vieram da terra e que, em algum momento, voltarão a ela. É uma época de fartura, onde muitas comidas são oferecidas e a festa se torna um ritual de purificação. Enquanto comem, as pessoas aproveitam para fazer pedidos e se livrar de fardos emocionais. Depois do banquete, Oyá, a orixá que ajuda a guiar os mortos, participa levando as oferendas finais a Omolú.
Oferenda para Omolú
Se você deseja fazer uma oferenda para Omolú, aqui estão os itens que você vai precisar: milho de pipoca, um coco seco e uma vela branca.
- Estoure a pipoca em uma panela sem óleo, mexendo sempre até que comece a estourar. Caso tenha dificuldade, use um pouco de azeite de oliva.
- Coloque a pipoca em um balaio de palha e cubra com lascas de coco. Enfeite com carinho, fazendo seus pedidos.
- Procure um lugar tranquilo, como uma mata, e encontre uma árvore bonita para fazer sua oferta.
- Cumprimente o orixá dizendo: “Atotô Obaluaiê, meu grande pai, peço licença para fazer esta oferta.”
- Passe a pipoca pelo seu corpo, de baixo para cima, fazendo suas orações enquanto deixa tudo aos pés da árvore.
- Depois disso, acenda a vela com cuidado, sempre olhando para evitar acidentes.
- Quando voltar para casa, tome um banho com folhas frescas, como manjericão, alecrim, boldo ou outras que você achar adequado.
- Vista roupas brancas e descanse um pouco.
Essa prática é uma forma de expressar gratidão e respeito a Omolú, além de trazer boas energias para sua vida. Celebrar esses momentos é uma maneira poderosa de se conectar com a tradição e sua história familiar, fazendo com que os ensinamentos passem de geração em geração.