Julgamento sobre aborto é pausado após saída de ministro do STF

Na véspera de sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A votação ocorreu em uma sessão extraordinária convocada pelo presidente do tribunal, Edson Fachin. Após o voto de Barroso, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, suspendendo a análise do processo, que agora precisará ser discutido no plenário físico, sem data definida para a conclusão.
Atualmente, o placar da votação está em dois votos a favor da mudança. Barroso tomou essa posição pouco antes de deixar seu cargo, assim como a ministra Rosa Weber fez antes de se aposentar em 2023, quando já havia manifestado apoio à descriminalização do aborto. Rosa Weber foi a relatora da ação, que está em tramitação desde 2017, e o relator passa agora a ser o ministro Flávio Dino.
Na sexta-feira, o relator Flávio Dino decidiu retirar o caso da pauta, o que significa que para o julgamento ser retomado, o processo precisará ser liberado por ele. A decisão sobre a nova data para o julgamento ficará a cargo do presidente do STF, Edson Fachin.
Durante seu voto, Barroso argumentou que a interrupção da gravidez deve ser tratada como uma questão de saúde pública e não como um problema criminal. Ele enfatizou que a verdadeira discussão não é ser a favor ou contra o aborto, mas sim se a mulher que opta por interromper a gravidez deve enfrentar penalidades.
Barroso também mencionou os impactos desproporcionais da criminalização do aborto, ressaltando que penaliza principalmente mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade, que muitas vezes não têm acesso ao sistema público de saúde para obter informações e cuidados adequados. Ele destacou que, na maioria dos países democráticos e desenvolvidos, a proibição do aborto não é uma prática adotada.
Em paralelo, Barroso também decidiu em outras duas ações relacionadas ao tema. Ele autorizou que profissionais de enfermagem possam ajudar na realização de abortos legais e estabeleceu que esses profissionais não devem ser punidos. Essas decisões ainda serão analisadas pelo plenário virtual do STF. No entanto, ministros como Gilmar Mendes e Cristiano Zanin divergem de Barroso e argumentam que não há urgência para essas mudanças.
Além disso, Barroso determinou que órgãos públicos de saúde não podem impor restrições não previstas em lei para a realização de abortos, como no caso de gestação resultante de estupro. Nesse contexto, restrições relacionadas ao período da gestação ou à exigência de um registro policial não devem ser aplicadas.
A ação em questão foi proposta pelo PSOL em 2017, questionando a criminalização de dois tipos de aborto previstos no Código Penal: aquele realizado pela própria gestante e o realizado por um terceiro com seu consentimento. O partido argumenta que a interrupção da gravidez nas primeiras 12 semanas não deve ser classificada como crime, por considerar que essa proibição é incompatível com os direitos previstos na Constituição.
O PSOL também defende que a criminalização do aborto fere a dignidade humana e afeta de maneira desproporcional mulheres de baixa renda, além de violar o direito à saúde e ao planejamento familiar. Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto apenas em casos de risco à vida da gestante ou em casos de gestação resultante de estupro. Em 2012, o STF também garantiu o direito ao aborto em situações de anencefalia fetal.
O processo estava praticamente paralisado até que Rosa Weber votou em 2023. Ela argumentou que a criminalização do aborto não é a melhor abordagem para resolver a questão e classificou essa proibição como uma forma de violência institucional contra as mulheres. Após sua manifestação, Barroso retirou o caso do plenário virtual, mas agora ele liberou o retorno do julgamento, solicitando a abertura da sessão extraordinária.
Durante sua gestão, Barroso sempre expressou seu apoio à descriminalização do aborto, mas hesitou em pautar o tema antes, acreditando que a sociedade ainda não estava pronta para esse debate. Ele anunciou sua aposentadoria para o final de setembro e, ao comunicar sua decisão, mencionou preocupações sobre um “ambiente ainda mais turbulento” para votar antes de se afastar do STF.