O novo sorvete que desafia as definições tradicionais

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, conhecido como Carf, decidiu que o sorvete vendido pela rede McDonald’s não será considerado como tal para questões tributárias. Essa situação ilustra a complexidade do sistema tributário brasileiro.
A polêmica começou no final de 2022, quando o McDonald’s passou a chamar seu sorvete de “sobremesa à base de bebida láctea”. Essa mudança de nomenclatura não alterou os ingredientes do produto, mas teve grandes implicações fiscais. Sorvetes estão sujeitos à cobrança de PIS e Cofins, enquanto as bebidas lácteas usufruem de benefícios fiscais que as isentam dessas taxas. A mudança fez a Receita Federal desconfiar da manobra e autuou a empresa no início de 2023.
Em resposta, o McDonald’s levou o caso ao Carf para esclarecer a questão. Documentos periciais apresentaram diferentes classificações para o sorvete, descrevendo-o até como “líquido de alta viscosidade” ou “pasta cremosa”. A disputa se intensificou, com o produto sendo avaliado, inclusive, pela temperatura em que é servido.
No final do julgamento, a decisão foi favorável ao McDonald’s, com cinco votos a um. O conselheiro que discordou argumentou que a aparência e a consistência do produto deveriam ser mais relevantes do que os laudos periciais. Com essa decisão, a rede de lanchonetes evitou uma multa que totalizava R$ 324 milhões.
Esse caso é emblemático, mas não é o único. A Mondelez, empresa que possui a marca Lacta no Brasil, também passou pelo Carf com uma alegação semelhante. A empresa argumentou que o bombom Sonho de Valsa deveria ser classificado como wafer. Isso porque os wafers têm um tratamento fiscal diferente, com isenção de IPI, enquanto os chocolates não. Essa estratégia incluiu até mudanças na embalagem do produto, e outras empresas também começaram a adotar essa abordagem.
No entanto, o cenário pode começar a mudar em breve. Uma reforma tributária foi aprovada pelo Congresso no final de 2023, que promete simplificar o sistema de impostos. A nova legislação irá unificar cinco impostos que incidem sobre bens e serviços: PIS, Cofins e IPI, que são federais, além do ICMS, estadual, e do ISS, municipal. Com isso, surgirão dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para os impostos federais e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para os impostos estaduais e municipais.
Com a aprovação das regulamentações necessárias, a transição para o novo regime começará em janeiro. Até 2033, União, Estados, municípios e empresas terão tempo para se ajustar ao modelo, que promete ser mais simples que o atual.
A expectativa é que essa nova estrutura tributária, inspirada no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) utilizado na maioria dos países, traga maior eficiência e produtividade à economia brasileira, além de melhorar a transparência nas transações comerciais. Essa mudança pode ajudar a eliminar discussões absurdas, como as que envolvem a classificação de produtos como o sorvete e o bombom, que acabam se tornando parte do imaginário tributário do Brasil.




